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“E se alguém passasse agora do meu lado e segurasse minha mão? E se andássemos juntos por apenas uma quadra, em silêncio, compartilhando nossas solidões anônimas?”; “E se algum louco começasse a gritar ou tirar a roupa ou beijar as mulheres de salto alto ou jogar sorvete nas nossas caras?”; “E se alguém nos tirasse dessa previsibilidade solitária, desse vazio de cruzar com centenas de pessoas todo dia sem nunca conhecer suas histórias?”; “Que tal eu não voltar para casa e arriscar um jantar na casa da primeira família estranha que me acolher”.
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Onde perdemos a capacidade de não seguir coerências? Por que mesmo achamos absurdo pegar um táxi sem destino apenas para conversar com o taxista? Ou andar pela cidade, sem celular, parando a cada ponto que nos atrai? Por que não é natural faltar um dia no trabalho sem precisar ligar com alguma justificativa manjada? Por que carregamos um mesmo nome a vida toda em vez de ganhar um novo a cada 5 anos, 17 dias e 22 horas? Por que pegar o metrô mais próximo se podemos andar e deixar que o céu nos percorra um pouco mais?
Quando seguimos uma coerência e esquecemos que podemos descontinuá-la, somos reféns de um padrão: deixamos de nos mover e passamos a ser movidos. No dia anterior, consideramos não ir naquela festa – havia outras opções, quase fomos para outro lugar. No dia seguinte, pensamos que talvez fosse uma boa ligar e continuar. Meses depois, imaginamos que seria ótimo passar mais alguns meses com ela ou ele. Anos ou décadas depois, quase nos matamos se ele ou ela não liga. O hábito nasce por liberdade e cresce à medida em que empalidece sua fonte. No começo, decidimos fumar. Meses depois, o cigarro decide por nós.
A coerência não só é fruto do hábito ou de uma linha de ações pré-definidas. Ela também se configura como um ringue de boxe ao nosso redor, um espaço de possíveis reações. Se alguém nos machuca, nos sentimos no direito de sentir raiva e ferir a pessoa de volta (ainda que só em pensamento). Nosso senso de justiça é o maior dos algozes. E os amigos aprovam: “Maltrate-o mesmo, é um absurdo o que ele fez com você”. O outro define nossa ação. Alguém nos coloca no ringue e automaticamente aceitamos a luta, seja no ataque ou na defesa, na culpa ou na violência, no arrependimento ou na vingança, como vencedor ou vítima.
Surprise me, surprise yourself.
Um comentário:
Você entrou na chuva!!!
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